A população prisional no Brasil bateu novo recorde em 2022, chegando a 832,2 mil pessoas – um aumento de 257% desde 2000. A informação consta da edição de 2023 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, documento elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A organização, não governamental, apartidária e sem fins lucrativos, é integrada por pesquisadores, cientistas sociais, gestores públicos, policiais federais, civis e militares, operadores da Justiça e profissionais de entidades da sociedade civil.
De acordo com a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/1984), o Estado tem o dever de punir o infrator – quando há condenação – e recolhê-lo em uma das unidades prisionais da federação. Em contrapartida, durante o cumprimento da pena, o Estado precisa desenvolver ações que garantam ao indivíduo condições de se reintegrar ao convívio social, e, desse modo, não voltar a cometer crimes.
Porém, na prática, não é o que acontece no nosso sistema carcerário. Um estudo do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), concluído em 2020, apontou que a taxa de reincidência criminal no Brasil passa de 42% e revelou que os programas de ressocialização oferecidos são modestos. O anuário citado demonstrou, por exemplo, que só 19% dos detentos participam de programas de laborterapia (terapia por meio do trabalho).
É nesse cenário, complicado e desafiador, que a Igreja de Cristo vem desenvolvendo ações para levar aos presos, em diferentes regiões do Brasil, a Boa Notícia do Alto. “O Estado precisa desse trabalho voluntário, pois, sozinho, não dá conta de ressocializar os que estão desprovidos de liberdade. É do interesse público que essas pessoas sejam restauradas. Sem a intervenção divina, elas sairão piores do que quando entraram na prisão”, avalia a capelã Ana Cristina Souza Barbosa, que prega, há cinco anos, no Centro de Detenção Provisória da Serra (CDPS), no Espírito Santo.
Ela explica que as mudanças promovidas pelo Evangelho nos detentos, muitas vezes, são lentas. “Eles assistem aos cultos, participam das orações e observam os testemunhos. E, gradativamente, são alcançados pelo Senhor.” Ana Cristina também destaca que a paz de Deus, que excede todo o entendimento (Fp 4.7), é uma das primeiras vivências que os presos experimentam com o Espírito Santo. “Os detentos começam a perceber que a alegria e a esperança não dependem das circunstâncias, e sim da presença do Altíssimo.”
A pregadora aponta que a capelania é o serviço da Igreja fora das quatro paredes. “Não olhamos para o que a pessoa fez, e sim para as almas que estão necessitadas do Senhor”, relata. Ao ser questionada por nossa reportagem sobre o que poderia ser feito para reduzir a reincidência, a capelã ressaltou que tão importante quanto a evangelização no cárcere é o acompanhamento após o cumprimento da pena. “Essas pessoas precisam de acolhimento, emprego e assistência espiritual, a fim de que tenham a fé alimentada. Quando deixam a prisão, realizamos o encaminhamento para uma igreja, ajudamos na busca de trabalho e auxiliamos a família no processo de readaptação social.”
“Nova vida” – Foi no sistema prisional que Celso Godoy foi alcançado pelo amor de Jesus, há 35 anos. Hoje é pastor e atua como capelão prisional, mas durante sete anos, ele cumpriu pena por tráfico de drogas: “Deus mudou a minha vida, a minha história, para a glória dEle”, alegra-se o pregador, ressaltando que a Palavra é fundamental para o processo de transformação, libertação e ressocialização dos presos.
De acordo com Godoy, as Escrituras atuam como bálsamo, alcançando não apenas a mente, como também o coração daqueles que estão desprovidos de liberdade. “A partir daí, ocorre a consciência do pecado, do mal que causaram à sociedade e das dificuldades que geraram para as famílias deles. O Evangelho possibilita intimidade com o Criador e autoconhecimento, pois a pessoa é confrontada”, explica o capelão, afirmando que muitos vivem desesperançosos porque não acreditam ser viável haver um recomeço, uma nova vida. “O impacto da mensagem das Escrituras proporciona uma luz no fim do túnel, que é Jesus iluminando a mente em um processo de metanoia”, salienta Celso Godoy, referindo-se a uma palavra grega, encontrada no Novo Testamento, que significa mudança de mente. “Um coração alcançado pela graça não permanecerá o mesmo, ele dará bons frutos”, acrescenta.
Por sua vez, a Pra. Verônica Araújo, da sede estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Florianópolis (SC), lembra que, para os internos, vítimas de muito preconceito, a esperança e o amor propagados pelo Livro Santo faz toda a diferença na vida deles. “Eles percebem a importância do arrependimento e do perdão para que ocorra o processo de reabilitação”, sublinha a ministra, que já atuou como evangelista no sistema prisional.
Os reflexos das iniciativas de capelania e evangelização em presídios estão registrados em diversos estudos já promovidos sobre o tema. Um dos mais recentes foi realizado pela Universidade Baylor, dos Estados Unidos, em parceria com a Prison Fellowship International (PFI, a sigla em inglês para Fraternidade Prisional Internacional). A pesquisa apresenta novas evidências de que a fé tem um efeito positivo na saúde mental dos detentos. O relatório dos pesquisadores mostra que, em geral, as prisões abrigam criminosos que, em liberdade, já eram capazes de cometer atos terríveis; e, uma vez encarcerados, acabam por dar lugar ao desejo de vingança e aos ressentimentos. Além disso, ainda precisam lidar com a falta de esperança, o senso de fracasso e outras emoções negativas.
Entretanto, o levantamento, realizado na Prisão de Monteria, na Colômbia, revelou que os detentos apegados à fé cristã se mostram menos irritados com sua condição, são mais esperançosos em relação ao futuro e têm a capacidade de perdoar seus inimigos. Foi constatado também que os presos que oravam e liam a Bíblia demonstravam mais autocontrole e gratidão em relação aos que não o faziam. Eles apresentavam menos raiva, depressão e ansiedade. Este estudo confirma o que acreditamos há muito tempo. O envolvimento de um prisioneiro em programas religiosos gera um efeito transformador em suas crenças, atitudes e seu comportamento. Agora, temos evidências empíricas de que os prisioneiros estão se tornando menos violentos e exercendo maior autocontrole por meio de programas como o da PFI em todo o mundo, disse David Van Patten, diretor de operações da PFI, em entrevista ao portal de notícias norte-americano Christian Broadcasting Network (CBN) News.
A pesquisa da Fraternidade Prisional Internacional se concentrou nos participantes do curso de oito semanas denominado A Jornada do Prisioneiro, desenvolvido pela PFI para ensinar aos encarcerados sobre o Evangelho. Este estudo contribui para a literatura de Justiça Criminal ao adicionar evidências positivas do efeito virtuoso da religião na saúde mental entre indivíduos encarcerados, informou, ao CBN News, o Dr. Sung Joon Jang, professor, pesquisador de Criminologia e codiretor do Programa de Comportamento Pró-Social do Instituto Universitário de Estudos de Religião da Universidade Baylor. Descobrimos que os comportamentos religiosos públicos e privados estavam positivamente associados às virtudes, acrescentou Jang.
Valores morais – O Pr. Sérgio Junger, capelão prisional no estado do Espírito Santo, nota diariamente as manifestações de fé e as mudanças dos presos. “O indivíduo que comete um crime está com as emoções desequilibradas e o caráter distorcido. Somente Jesus é capaz de transformá-lo”, frisa o pregador, assinalando que, à medida que os detentos participam das reuniões e têm contato com o Texto Sagrado, eles descobrem, pouco a pouco, a verdadeira liberdade, a de Cristo, ainda que permaneçam fisicamente encarcerados. “E, assim, uma nova perspectiva de vida é construída.”
Segundo Junger, quando os presos aceitam Jesus, tornando-se morada do Espírito Santo, nascem de novo e são gerados neles os frutos que o apóstolo Paulo cita em Gálatas 5.22: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Devido à grande ociosidade na unidade prisional, observa o ministro, os detentos têm muito tempo para orar, ler o Livro Santo, refletir sobre a vida e projetar o futuro fora da cadeia – livres em Cristo.