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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Sindicato dos Delegados de SP repudia desfile da Vai-Vai por 'demonizar a polícia'; escola afirma retratar acontecimentos históricos

Sindicato dos Delegados de SP repudia desfile da Vai-Vai por 'demonizar a polícia'; escola afirma retratar acontecimentos históricos


 















Entidade criticou representação de agentes com escudo e chifres. Por outro lado, Vai-Vai disse que não teve a intenção de promover qualquer tipo de ataque ou provocação.


O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) emitiu uma nota repudiando o desfile da Vai-Vai durante a segunda noite do carnaval paulistano, no sábado (10). A categoria afirmou que a escola de samba demonizou a polícia ao representar agentes com chifres e outros elementos no Anhembi, Zona Norte da capital paulista.


O enredo da Vai-Vai trouxe como tema o hip hop de São Paulo. Durante o desfile, a escola contou com a presença de Mano Brown e KL Jay, dos Racionais MC's.


A crítica do Sindpesp foi em relação à ala "Sobrevivendo no Inferno", na qual agentes com escudo escrito "Choque" foram representados com chifres e asas vermelhas


"Ao adotar tal enredo, a escola de samba, em nome do que chama de 'arte' e de liberdade de expressão, afronta as forças de segurança pública", diz a nota.


"É de se lamentar que o Carnaval seja utilizado para levar ao público mensagem carregada de total inversão de valores e que chega a humilhar os agentes da lei."


O Sindpesp também pediu que a escola de samba reconheça que houve um exagero e faça uma retratação pública.


Por outro lado, a Vai-Vai afirmou que não teve a intenção de promover qualquer ataque ou provocação. Além disso, a escola disse que fez um desfile com recortes históricos e que a ala em questão faz uma homenagem ao álbum "Sobrevivendo no Inferno", lançado na década de 1990 pelos Racionais MC's.



"Neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica", justificou.


"Os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundo, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado para época."

Borba Gato

A Vai-Vai também levou uma réplica pichada da estátua do bandeirante Borba Gato, que já foi alvo de manifestações.


Durante a semana, nas redes sociais, um texto da escola deixou a dúvida se a réplica da estátua de Borba Gato seria queimada durante o desfile, assim como ocorreu em 2021 com a estátua original.


"Foi um colono brasileiro, bandeirante paulista, sertanista, proprietário de escravizados e descobridor de metais preciosos. Nas viagens que realizava, para explorar novas terras, os grupos indígenas encontrados pelo caminho eram assassinados, as mulheres estupradas e os sobreviventes aprisionados e vendidos como escravizados. E aí? Fogo na estrutura? 🔥", diz o texto da escola.


Ao final, a Vai-Vai optou só por simular fogo e fumaça nos pés e pernas do bandeirante. No mesmo carro, havia placa com frases como "fogo nos racistas".


Em 2021, a estátua, em Santo Amaro, Zona Sul da cidade, foi alvo de um incêndio. A estrutura da estátua de Borba Gato foi atingida pelas chamas, mas não ficou comprometida.


O motoboy Paulo Galo, um dos acusados, que foi destaque do carro alegórico, confessou à Polícia Civil ser ativista social e ter organizado o ataque à estátua de cerca de 13 metros de altura porque queria abrir debate público a respeito da existência dela. Historiadores afirmam que Borba Gato escravizou negros e indígenas.


Em 2020, crânios foram colocados ao lado de monumentos de bandeirantes, inclusive Borba Gato, para ressignificar a história de São Paulo.


Projetos de lei pedem a proibição ou a retirada de monumentos que homenageiam figuras como a de Borba Gato.


Veja abaixo a íntegra do comunicado da Vai-Vai


"Em 2024, a escola de samba Vai-Vai levou para a avenida o enredo Capitulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop – Um manifesto paulistano.


Como o próprio nome diz, tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop e seus quatro elementos – breaking, graffiti, MCs e DJs. Além disso, o desfile buscou homenagear e dar vez e voz aos muitos artistas excluídos que nunca tiveram seu talento e sua trajetória notadamente reconhecidos.


Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MCs, em 1997. “Sobrevivendo no Inferno” é o segundo álbum de estúdio do grupo, lançado pelo selo da gravadora Cosa Nostra em 20 de dezembro de 1997. É considerado o álbum mais importante do rap brasileiro. Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Em 2018, o álbum foi incluído pela Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas) na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp a partir de 2020. Meses depois, a obra virou livro, publicado pela Companhia das Letras, tamanha sua relevância.


Segundo a Revista Rolling Stone Brasil, que ranqueou o álbum na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira, "Sobrevivendo no Inferno colocou o rap no topo das paradas, vendendo mais de meio milhão de cópias. Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — são aqui expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru".


Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento. Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica. Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. O que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile."


'Sobrevivendo no Inferno'

O álbum do Racionais MC's foi lançado em 1997. Naquela época, São Paulo e o Brasil tinham o terceiro maior índice de homicídios da América, além de uma taxa de desemprego que atingia 30% entre os jovens da periferia.


O lançamento do disco trouxe ao centro do debate a violência nos bairros pobres de São Paulo, originada pelo crime e pela própria polícia.


"Minha palavra vale um tiro / eu tenho muita munição / Na "queta" ou na ascensão / minha atitude vai além / e tem disposição / pro mal e pro bem / talvez eu seja um sádico / ou um anjo ou um mágico / ou juiz ou réu / um bandido do céu", canta Mano Brown em "Capítulo 4, versículo 3".


Outra faixa que teve grande repercussão foi "Diário de um Detento". A música retrata os dias que antecederam e o próprio momento do massacre dos 111 presos no Carandiru.


Em 2020, o álbum entrou na lista de obras obrigatórias do vestibular da Unicamp. A comissão que organiza a prova justificou que o disco aproximava os estudantes da leitura de mundo, além de elevar a inclusão social.


De acordo com a comissão, embora o álbum tenha sido lançado na década de 1990, a crítica segue necessária, e o uso da música como poesia oferece uma compreensão diferente da cultura literária.


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